Pagode de Mart’nália fica (muito) mais animado e misturado em show que une diferentes gerações e estilos de samba
05/01/2025
Cantora abre a programação carioca de 2025 com show em que irmana hits de grupos dos anos 1990 com sucessos de bambas dos 80 como Arlindo Cruz. Mart’nália cativa o público do Circo Voador, no Rio de Janeiro (RJ), com show em que canta hits de grupos como Raça, Soweto e Só pra Contrariar
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Pagode da Mart’nália
Artista: Mart'nália
Data e local: 4 de janeiro de 2025 no Circo Voador (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Tradicional atração do Circo Voador na primeira semana de janeiro, Mart’nália abriu a programação 2025 da casa carioca neste fim de semana com o inédito show Pagode da Mart’nália, baseado no homônimo álbum lançado em novembro com incursões pelo repertório de grupos de pagode projetados na década de 1990.
Se o disco oscila entre o molejo cativante e um chororô romântico que vai de encontro à leveza do canto de Mart’nália, o show flui homogêneo, caloroso.
No palco, o pagode de Mart’nália é mais misturado e (muito) mais animado. Com a ginga que é somente dela pelo jeito pop de cantar samba, a cantora enfileirou as 12 músicas do álbum sob certeira direção musical do pianista Luiz Otávio.
O roteiro foi aberto com Coração radiante (Xande de Pilares, Helinho do Salgueiro e Mauro Júnior, 2002), pagode que também abre o disco. Desde esse primeiro número, Mart’nália ganhou o coro espontâneo e entusiasmado do público do Circo Voador, casa de ambiente democrático onde o carioca se sente feliz.
Só que o roteiro do show extrapola naturalmente as 12 músicas do álbum Pagode da Mart’nália. E é nessa mistura que o show ganha ânimo e fôlego, irmanando diferentes gerações de compositores do samba. Tanto que Mart’nália incluiu no meio dos pagodes dos anos 1990 um samba de Dona Ivone Lara (1922 – 2018) e Jorge Aragão – Tendência (1981), apresentado ao Brasil na voz de Beth Carvalho (1946 – 2019) – sem quebrar o clima do show.
Foi sagaz cantar um pagode do Grupo Raça, O teu chamego (Beto Correa, Lúcio Curvello e Pagom, 1992), e na sequência engatar com um samba dos primórdios da carreira de Martinho da Vila, Ninguém conhece ninguém (1968), revivido por Mart’nália com o pai bamba no álbum + Misturado (2017). A sagacidade reside no fato de que, no álbum Pagode da Mart’nália, a cantora trouxe o pagode do Grupo Raça para o universo manemolente de Martinho em gravação feita com a participação do compositor de Ninguém conhece ninguém.
Mart’nália toca cavaquinho em número do show ‘Pagode da Mart’nália’, estreado no Circo Voador, no Rio de Janeiro (RJ), em 3 e 4 de janeiro
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
O show confirmou impressões deixadas pelo disco. Se Clínica geral (Pedrinho da Flor e Anderson Leonardo, 1996), pérola do grupo Molejo, se confirmou ponto alto porque Mart’nália deita e rola na swingueira do Molejão, o canto morno de Sem abuso (Leandro Lehart, 2003) – samba menor do grupo Art Popular – fez baixar a temperatura do Circo Voador.
Pagode do repertório do Exaltasamba, Sem o teu calor (Péricles, Chrigor e Isaias Marcelo, 1997) também fez jus ao título e resultou no número mais frio do show, reiterando no palco que faltou (um pouco de) rigor na seleção do repertório do álbum Pagode da Mart’nália.
Em contrapartida, a cantora incendiou o Circo Voador com petardos certeiros como Cheia de manias (Luiz Carlos, 1992), Derê (Ademir Fogaça, 1997) – pagode do Soweto que cresceu no show em relação à gravação do disco – e Que se chama amor (José Fernando, 1993), um dos primeiros sucessos do grupo Só pra Contrariar.
E por falar no SPC, justiça seja feita: Domingo (Alexandre Pires, Fernando Pires, Vadinho e Renato Barros, 1993) soou bem mais vibrante no show do que na gravação do disco, prejudicada pela participação apática de Caetano Veloso.
Sucesso do grupo Katinguelê que já vinha sendo revivido em shows por Alaíde Costa, Recado à minha amada (Salgadinho, Juninho e Fi, 1996) é enviado por Mart’nália no show com felicidade contagiante, no mesmo clima sedutor de Eu e ela (Délcio Luiz e Ronaldo Barcellos, 1994), sucesso do Grupo Raça que adquire sentido mais libertário na voz da cantora. O canto de Mart’nália é tão galante que pouco importa a dicção por vezes ruim da artista.
Momento singular do disco pela atmosfera mais íntima, o dueto com o pianista Luiz Otávio em Essa tal liberdade (Chico Roque e Paulo Sérgio Valle, 1994) funciona no roteiro como interlúdio que separa a sequência de pagodes dos anos 1990 / 2000 com o bloco final, dominado por sambas de bambas cariocas.
Com direito ao canto de Pra que chorar? (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963), bela lembrança do álbum de 2019 em que Mart’nália deu voz ao cancioneiro de Vinicius de Moraes (1913 – 1980), esse bloco foi aberto com Cabide (2005), presente generoso da compositora Ana Carolina para o álbum que consolidou a carreira de Mart’nália há 20 anos, Menino do Rio (2005), de cujo repertório a filha de Martinho também pescou o maroto samba Boto meu povo na rua (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Ronaldinho, 2005).
Mart’nália estava em casa quando remoeu Saudade louca (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Franco, 1989), revolveu Água de chuva no mar (Carlos Caetano, Gerson Gomes e Wanderley Monteiro, 1999) – grande samba que a cantora gravou para a trilha sonora do filme Um casal inseparável (2021) – e sentenciou, ao fim, como um brado de resistência pacífica, que O show tem que continuar (Sombrinha, Arlindo Cruz e Luiz Carlos da Vila, 1988).
Enfim, o pagode de Mart’nália fica muito bom quando mistura sambas do Rio de Janeiro com São Paulo, quebrando preconceitos e barreiras geográficas.
Mart’nália canta 22 sambas no show originado do álbum lançado em novembro com pagodes de grupos dos anos 1990
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
♪ Eis as 22 músicas do roteiro seguido por Mart’nália em 4 de janeiro de 2025 na segunda das duas apresentações da estreia nacional do show Pagode da Mart’nália no Circo Voador, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):
1. Coração radiante (Xande de Pilares, Helinho do Salgueiro e Mauro Júnior, 2002)
2. Derê (Ademir Fogaça, 1997)
3. Que se chama amor (José Fernando, 1993)
4. Domingo (Alexandre Pires, Fernando Pires, Vadinho e Renato Barros, 1993)
5. Clínica geral (Pedrinho da Flor e Anderson Leonardo, 1996)
6. Eu e ela (Délcio Luiz e Ronaldo Barcellos, 1994)
7. Recado à minha amada (Salgadinho, Juninho e Fi, 1996)
8. Sem o teu calor (Péricles, Chrigor e Isaias Marcelo, 1997)
9. O teu chamego (Beto Correa, Lúcio Curvello e Pagom, 1992)
10. Ninguém conhece ninguém (Martinho da Vila, 1968)
11. Tendência (Dona Ivone Lara e Jorge Aragão, 1981)
12. Sem abuso (Leandro Lehart, 2003)
13. Cheia de manias (Luiz Carlos, 1992)
14. Essa tal liberdade (Chico Roque e Paulo Sérgio Valle, 1994)
15. Cabide (Ana Carolina, 2005)
16. Pra que chorar? (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963)
17. Boto meu povo na rua (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Ronaldinho, 2005)
18. Saudade louca (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Franco, 1989)
19. Deixa acontecer (Carlos Caetano e Alex Freitas, 2001)
20. Chega (Mart’nália e Mombaça, 2002)
21. Água de chuva no mar (Carlos Caetano, Gerson Gomes e Wanderley Monteiro, 1999)
22. O show tem que continuar (Sombrinha, Arlindo Cruz e Luiz Carlos da Vila, 1988)